Nasci em 23 de fevereiro de 1984 em Serra, Espírito Santo. Vindo de uma família humilde, de nove irmãos, com uma mãe seguidora do cristianismo protestante, numa denominação de nome Deus é Amor e com um pai alcoólatra e violento, tive a graça de, aos dois anos, ir morar com minha a avó.
Meu pai, Sebastião Alves da Silva, se embriagava e agredia constantemente minha mãe, Laurita dos Santos Silva, meu irmão mais velho e eu. Em meio a essa e outras dificuldades, por eu ser o menor até então, resolveram me dar para a minha avó para me criar por um tempo até que as coisas se normalizassem.
Assim passaram-se dois anos, as coisas não se normalizaram, eu já estava com quatro anos, meus pais quiseram levar-me de volta, mas me deram a escolha de ir com eles ou ficar. Então escolhi ficar, mantendo sempre contato com a minha família (tenho o meu caráter formado com bases nos ensinamentos da minha avó).
Desfrutei muito da minha infância, mesmo sem ter tido os brinquedos que apareciam nas propagandas (construía os meus) ou condições de usufruir daquilo que só o dinheiro podia proporcionar, fui muito feliz tirando das brincadeiras de rua momentos em que me sentia plenamente realizado como criança. Uma das brincadeiras que mais gostava era colocar fogo nos lixões perto da minha casa assim que ocorriam os “apagões” em Planalto Serrano, onde morei por vinte anos. Outras brincadeiras que gostava: pique-bandeira, soltar pipa, boxe com meus primos utilizando roupas sujas como luvas, amarrar uma borracha comprida em uma linha que, à noite, quando puxada tinha aparência de cobra para dar susto nas pessoas (essa era das melhores), jogar bolinha de gude dentre outras.
Na escola era tido como um dos mais inteligentes, requisitado para trabalhos por colegas, mas sem muito entusiasmo para a prática do estudo. Estudava apenas para passar de ano. A parte que mais gostava dos horários da escola era a hora da merenda (comia muito) e a matéria que mais tinha prazer em praticar era a educação física.
A seguir está um dos fatos escolares que marcaram minha vida. Quando tinha mais ou menos nove anos e estudava na escola João Antunes das Dores (escola onde fiz todo o ensino fundamental) cursando a segunda série, tiveram a idéia de me trocar de sala fazendo com que eu, por consequência, mudasse de professora. Infeliz idéia. Chorei igual a um condenado, tanto que se sentiram obrigados a me devolver à turma da professora que muito gostava, a professora Elisabeth. Linda!
Quando tinha dez anos, estava eu na casa de “amigos”, que tinham o costume de beber enquanto jogavam dominó, vizinhos meus. Um desses “amigos”, ignorando que tinha apenas aquela idade, me embebedou de tal forma que quase fui a óbito. Depois do acontecido, quando já estava bem, prometi pra mim mesmo que nunca mais me deixaria usar nenhum tipo de droga, seja lícita ou ilícita.
Arrisquei junto a meu primo e irmão mais velho a venda de pães e picolés por algumas vezes como trabalho para ganhar um dinheiro, mas sendo uma negação como vendedor, não prossegui. Tínhamos o costume de ir a um mangue localizado na praia de Jacaraípe, Serra, catar caranguejos. Era uma festa. Ainda ajudei minha avó carregando trouxas de roupa que ela lavava para outros com intenção de aumentar a renda mensal, que era de um salário mínimo.
Uma das formas que minha avó utilizava para me educar era a surra (que era executada com vara de goiaba). Houve uma que me marcou muito em todos os sentidos que se pode imaginar. Cursava a 3ª série, tendo como professora a irmã da coordenadora da escola, Elizeth Nascimento
Soneguet, que me chamava de “cabeludinho”. Lembro como se fosse hoje. Bateu o último sinal, todos saíram e para a minha infelicidade, um colega esqueceu sua caneta em cima da cadeira. Eu, inocente, com a mais boa vontade de entregá-la no outro dia, peguei a caneta e levei-a para casa, apresentando-a a minha avó dizendo que o tal colega a tinha esquecido. Se arrependimento matasse… ela me indagou por que tinha pegado e se estivesse visto que deixasse lá porque não era minha me dando uma surra que marcou profundamente… Nesse dia não pude me esconder embaixo da cama nem embaixo de uma mesa redonda que havia no canto da sala, as quais eram meus refúgios naquelas situações.
Chega a adolescência, a fase dos conflitos. Surgem também as espinhas que foram meu tormento por um bom tempo e o trauma por causa da estatura. Dou início à aprendizagem do violão, começa o vício por mulher, a paixão pelo futebol fica mais intensa (fiz testes no Serra e no núcleo do Cruzeiro-ES), sendo que aqui começo a jogar em uma escolinha chamada Renascença tendo como técnico um “cara” de nome Nato o qual uns diziam ser gay. Ficava do começo da manhã até o fim da tarde nos campinhos de terra batida jogando bola, às vezes, até sozinho. Dessa paixão surgiu o apelido de Dorme Sujo, pois dificilmente alguém me via limpo, comedor de bola, Riquelme (jogador da seleção Argentina e do Boca Juniors desse mesmo país) e outros mais. O futebol também foi deixado pra trás, pois eu só ficava no banco mesmo me achando um bom jogador.
Não sou muito fã de praia, tendo ido pouco durante a minha vida até aqui. Fui certa vez, quando tinha entre treze e quatorze anos. Fui porque estava gostando de uma menina que também ia naquele passeio organizado por alguns vizinhos de Planalto Serrano. Elizângela é o nome da menina e o nome da praia é Carapebus-Serra. Naquele dia contrastei entre a mais completa felicidade e a mais triste decepção. A ida foi de muito entusiasmo. Nos reunimos em frente a minha casa e fomos todos de ônibus. Tinha a certeza de ir para a praia. As crianças e os adolescentes ficaram na lagoa, monitorados por outros dois ou de que aquele dia poderia ser muito especial, pois desde o primeiro momento a menina já demonstrava que se
agradava de estar ao meu lado.
Chegando à praia, nos redistribuímos. Foram três adultos. A menina não saía do meu lado. Foi uma das manhãs mais felizes da minha vida. Diversão vai, diversão vem, deu a tarde e algumas pessoas estavam indo embora. Minha carruagem de ouro estava se transformando em abóbora. Todo mundo se despedindo e nem ao menos eu ter me arriscado com uma das meninas mais especiais que já conheci. Nunca mais tive outra oportunidade como aquela. Completando o meu dia, assim que estávamos nos preparando, vem Elizângela se despedir de mim. Despedi-me dela. Ela me cumprimentou e por alguns segundos ficou estática como se esperasse palavras minhas ou uma reação. Eu, idiota que sou, por causa de uma antiga e crônica timidez, não esbocei nenhuma reação perdendo a oportunidade de ficar com ela. Quando íamos embora, um vizinho meio embriagado, não sei por qual motivo, me desferiu um tapa no rosto completando o ciclo daquele dia. A vida é hilária!
Nessa época, entrei em conflito com um dos muitos primos que chegaram a morar com minha avó e eu, o Sidney Almeida dos Santos. Como se sucedeu essa história? Estava eu sentado na calçada de um bar de esquina na rua onde morava, junto a amigos. Meu primo, que estava ali também, foi falar algo, pronunciando uma palavra errada. Hoje eu sei que a minha atitude foi inconveniente, mas eu o corrigi fazendo com que ele revidasse e me desse uma bolada nas costas. Fui perguntar porque tinha feito aquilo, então ele emendou com um soco no meu olho, desencadeando uma briga, que nos fez ficar bastante tempo sem se conversar. O Sidney faleceu em 2008, assassinado, o que ocorreu devido ao seu envolvimento com o tráfico de drogas.
Em 1999 me formei no ensino fundamental, na escola citada anteriormente e fui transferido para a E.E.E.M. Cloves Borges Miguel, situada em Serra, quando cursei cinco anos a primeira série do ensino médio. As cinco reprovações foram causadas por evasão e dentre os motivos para essa evasão está a situação de que, em alguns desses anos letivos, trabalhei.
Sem conseguir conciliar trabalho e estudo, abri mão da escola. Mesmo faltando muito ainda conseguia tirar boas notas deixando os colegas surpreendidos e intrigados. Do João Antunes das Dores, também, outros três colegas foram transferidos para o Clóves: Valdez: Leandro “Tonante”, “Tio” “Tio” e Léo. Foi a fase da minha vida onde dei as melhores e maiores crises de riso.
Certa vez, vindo o “quarteto fantástico” Valdez, Leandro “Tonante”, “Tio” “Tio” Léo e eu da escola, Valdez inventa de assustar uma menina com uma faquinha em miniatura, confiante de que aquela atitude seria tida apenas como uma brincadeira.
Ele, como quem não quisesse nada, chegou perto da menina e sem que ela esperasse mostrou a faquinha que não media nem sequer quatro centímetros. Foi num lance muito rápido. Só sei que não se sabia quem estava com mais medo. A menina, que saiu correndo desesperada gritando pelo pai escandalosamente ou ele, que correu como nunca havia corrido antes na vida por medo do pai da menina. Nesta história toda, eu saí ganhando, pois ri tanto, tanto que cheguei a sentar no meio da rua sentindo até dores abdominais decorrentes da crise de gargalhadas.
Aos dezesseis anos, fui convidado por uma pessoa que eu considero como um irmão, sendo uma das pessoas que mais me ajudaram e contribuíram com o meu crescimento e amadurecimento, Frederico Cordeiro de Souza, chamado comumente de Fred, para participar de uma reunião em uma igreja de nome Quadrangular, da qual ele era membro. Ali começou minha caminhada como evangélico. Logo me converti ao Cristianismo protestante, tornado-me, após certo tempo, músico dessa congregação.
Nessa igreja conheci Flaviana, aos dezoito anos, por quem me apaixonei da forma que só um adolescente pode se apaixonar. Aqui começa um martírio. Gostava dela e ela não gostava de mim além da agravante de ela ter, na época, apenas onze anos. Fiz de tudo para conquistá-la, o que não consegui. Restou apenas o consolo de ter conquistado o carinho e a
admiração de sua mãe, que chegou a me considerar até como um filho. No fim de tudo dei graças a Deus. Os resquícios da adolescência cegaram meus olhos e me fizeram gostar de uma pessoa que não tinha nada daquilo que sempre esperei como qualidades essenciais para a menina que viesse a estar comigo.
Em fevereiro de 2005, devido a um causado sonho da minha avó, que nasceu por conseqüência do envolvimento do meu primo Sidney com o tráfico de drogas, mudamos para o Romão, na capital Vitória, para a casa do primo Ariovaldo Pereira da Silva. Em vitória minha vida mudou completamente.
Matriculei-me no Colégio Estadual, concluindo todo o ensino médio, nesse meio tempo fiz curso básico de informática, curso de porteiro (escola Ludovico Pavoni), trabalhei em vários outros empregos (ajudante de camelô, ajudante de pintor, entregador de padaria), transferi-me para a Primeira Igreja Quadrangular de Vitória, onde conheci pessoas que impulsionaram ainda mais meu crescimento. Consegui a possibilidade de fazer um curso do programa Primeiro Emprego, do Governo Federal através de uma irmã da igreja, foi quando descobri o que queria como profissão. O curso foi de eletricista predial.
Antes de dar início ao curso citado se deu um acontecimento drástico, que abalou profundamente minha vida. Minha avó faleceu em 2006, devido a um AVC, que causou nela um derrame cerebral, fato ocorrido dentro de um banco enquanto ela estava indo embora, tendo acabado de receber. O mundo caiu sobre a minha cabeça! Tenho a certeza de que naquele momento, a responsabilidade de cuidar de mim, que era da minha avó, Deus tomou para Si. Tive que administrar a perda da minha avó e novas muitas responsabilidades, ciente de que dali por diante seria só eu e Deus.
Sai da casa do meu primo e passei a morar de aluguel, o que fiz por, em média, um ano e meio (depois fui pra casa da minha mãe). Fiz o curso de eletricista predial pelo SENAI-Vitória. Para conclusão deste curso era
necessário fazer um trabalho social, trabalho este que foi feito no CRJ (Centro de Referência da Juventude). Tendo feito as 120 horas necessárias para a conclusão do curso saí do CRJ e me empreguei na Alarm Center Sistemas Eletrônicos de Segurança, onde fiquei por três meses trabalhando como auxiliar técnico. Assim que saí da Alarm Center, passei a trabalhar novamente no CRJ, agora como contratado ficando por, mais ou menos, um ano como professor de violão.
Um outro irmão de igreja e amigo, Zé Marcos, me parou certa vez e me indagou por que eu não fazia a prova do PROEJA para me ingressar no CEFETES e eu achei interessante aquela ideia. Surgiu então uma oportunidade com vagas remanescentes em 2007, foi quando fiz a prova do processo seletivo 2007/2 passando em quinto lugar para o Curso Integrado em Automação Industrial. Nesta fase tão difícil duas pessoas se tornaram muito importantes pra mim, Elza Maria de Jesus Pacheco e Lourival Pacheco Pimenta. Pessoas que me ajudaram muito não somente na questão financeira, mas principalmente como amigos como se vê pouco hoje em dia.
Enfim, de um Zé ninguém, como alguns “amigos” gostavam de me chamar em Planalto Serrano, me tornei alguém com grandes chances de ter um ótimo futuro, promissor e próspero. Estou no princípio da minha vivência neste mundo. Haverá ainda muitas outras histórias a serem contadas. Estou com vinte e cinco anos e com muita esperança no amanhã.
Organizador: Mateus e Silva Ferreira.
Histórias: Inesperadas, Diferentes e Especiais – Alunas e Alunos do PROEJA
0 Comentários
Seja o primeiro a comentar
Deixe um comentário