A partir do meu nascimento, a minha luta por um direito de estudar já iniciou. Por motivos financeiros, meus pais só puderam me registrar com nove anos de idade, retardando minha entrada em uma escola. Até a oitava série, eu cursei normalmente com as necessidades que qualquer criança pobre teria. Eu me considerava uma aluna regular, me preocupava em passar de ano, estudava o necessário e nunca fiquei reprovada. Eu tinha prazer em estar em uma sala de aula. Naquela época, talvez, fosse porque eu gostava da merenda, tinha muitos colegas, e gostava do ambiente do colégio.
Um dos fatos que me recordo, foi na sétima serie, quando em uma das brincadeiras na quadra do colégio, eu queimei a sola do pé no chão quente e fiquei uma semana sem poder ir ao colégio.
Neste período, o professor de Ciências aplicou uma prova e eu perdi. Quando retornei aos estudos, no mesmo dia, o professor quis me dar a prova, recusei em fazê-la e ele quis me obrigar a assiná-la, como não obedeci ele me expulsou da sala e disse que eu só retornaria com um responsável. No outro dia, minha mãe foi ao colégio. Ela, muito humilde, foi temerosa, pois o professor tinha fama de ser mal educado com os pais. Ele fez minha má fama com minha mãe, e disse que só repetiria a prova porque ela tinha pedido.
Eu achei aquilo um desaforo, porém, insisti em fazer a prova e provar para ele o contrário. Quando ele me entregou a prova eu tinha tirado dez e ele me disse que já sabia que eu ira tirar aquela nota, pois sabia da minha capacidade. A partir daquele momento nos tornamos amigos.
Quando iniciei o ensino médio, fui para outra escola, estava com 17 anos e no mesmo período comecei a trabalhar em uma loja, embora eu sempre
fizesse faxina com minha mãe, mas ela tinha se mudado com meus irmãos para outro bairro e eu tive que morar com meus avós, pois o bairro onde eles estavam não tinha ensino médio. Foram momentos difíceis, pois meus avós também eram muito humildes e eu ainda não tinha recebido meu primeiro salário. Tinha época que eu ia do trabalho para o colégio sem almoço e sem lanche, era muito difícil me concentrar em alguma coisa.
Diversos problemas surgiram que me fizeram largar os estudos. Com 20 anos, eu já estava casada e grávida de minha primeira filha, com isso eu não retornei aos estudos. Não achava justo perder os melhores momentos da vida dela, nada neste mundo me recompensaria. Aos 23 anos, engravidei da minha filha caçula, chorei muito não por rejeitar a gravidez, mas porque eu já tinha feito planos para o futuro e entre esses planos estava o de retornar aos estudos. Nesse período mudei de bairro por motivos financeiro e fui para o interior, onde fiquei 4 anos.
Tentei, por diversas vezes, retornar aos estudos, porém a escola era muito longe eu gastava 1 hora e meia para chegar ao colégio e como eu só poderia estudar à noite, se tornava impossível com duas crianças e meu marido trabalhava por escala. Por motivos financeiros, o meu marido foi tentar trabalho em outro país e eu voltei para o bairro onde eu morava. Nesse período, minha prima veio morar comigo pra eu não ficar sozinha com as crianças. Ela estudava no CEFETES e em um dos estudos em casa ela me aconselhou a voltar a estudar.
Eu achava que meu tempo tinha passado, mas ela insistiu e eu fiz minha matrícula no último dia de inscrição. Todos diziam que era muito difícil e que eu não iria conseguir. As pessoas achavam que voltar aos estudos, na minha idade, era invenção de moda, mas, mesmo assim, eu fiz a prova. Estudei duas semanas pra fazer a prova e passei.
Eu entrei no CEFETES para fazer o curso de Segurança do Trabalho integrado com PROEJA. No primeiro dia de aula, me senti um peixe fora d’água, foi muito difícil pra eu me acostumar. Eu havia ficado fora do colégio
14 anos e a adaptação era muito difícil.
Uma das maiores barreiras que eu encontrei foi o preconceito, que vinham de vários lugares e até mesmo de mim. Em alguns momentos, eu achava que meu tempo tinha passado e que ao tentar novamente eu estava passando por ridícula, mas Deus enviou várias pessoas que me auxiliaram a vencer essas barreiras.
Foram professores, amigos, parentes, colegas de sala, que conseguiam ver em mim virtudes que eu ainda não tinha descoberto. O desejo de continuar surgiu quando, em um trabalho de história, eu alcancei nota máxima, fui elogiada pelo professor que em particular me aconselhou não desistir. Pude sentir que eu poderia ir mais além e a partir dali eu, realmente, pude perceber que meu tempo não tinha acabado.
Foram momentos maravilhosos, nos quais eu encontrava prazer em cada desafio em sala. Eu tinha que conciliar minha casa, minhas filhas, meu marido e minha vida na igreja com os estudos. Não foi fácil, ou melhor, foi muito difícil, pois havia momentos em que eu tinha que largar um pouco de cada, mas quando isso perdia o equilíbrio, eu parava e organizava tudo novamente para assim não perder o controle. Com isso, fui me adaptado à escola e aos colegas. Desta vez eu sentia prazer de estar no colégio, mas não era pela merenda, mas porque eu estava me enriquecendo em conhecimento, sentia prazer de entrar na escola e já almejava o outro dia pra que eu pudesse retornar.
Um dos momentos em que me causou muita tristeza foi quando o meu irmão mais novo se envolveu em uma confusão e foi preso. Neste período, a minha família ficou muito triste e nós esperávamos o julgamento dele. Eu estava de férias e quando eu retornei aos estudos, tive a notícia que ele tinha recebido a pena de 12 anos de prisão, me abalei muito, só vivia chorando e não conseguia estudar. Um dia, houve uma rebelião na cadeia e nós não sabíamos como ele estava, só recebíamos notícia por televisão. Justamente neste período eu tive avaliações e provas no colégio e perdi.
Eu não conseguia estudar porque estava muito preocupada com ele e com meus pais, pois a tristeza era muito grande e meu pai já estava com sério problema de pressão. Por isso tudo, tranquei minha matrícula.
Nesse período, pude perceber que eu não poderia mais ficar fora da escola, pois tudo o que eu tinha alcançado não poderia ser jogado fora, dessa maneira. De todos os momentos em que vivi fora da escola, esse foi o pior.
Todas as necessidades que eu tive para me manter firme em uma sala de aula me fizeram crescer e reconhecer que uma educação, um convívio escolar e o conhecimento nos fazem ser diferentes. A alegria que tenho em alcançar uma nota máxima ou em ser elogiada por um trabalho bem feito, me dá prazer de cada dia, estudar mais e mais. Ao retornar aos meus estudos, eu achava que tudo terminaria quando eu concluísse o curso, pois eu não conseguia ver nada, além disso.
Hoje, eu vejo que o curso apenas foi o início de uma grande jornada que ainda terei que percorrer. Mas, o que me sustenta mediante tamanha experiência é saber que tudo será para o meu enriquecimento no conhecimento de novas culturas e novas amizades. O saber me torna segura do que eu realmente quero e me faz entender que, por mais que o tempo passe, nunca é tarde para se insistir e lutar para se realizar um sonho. E que os obstáculos são necessários na nossa caminhada para nos mostrar que, ao superá-los, ganhamos força para persistir e alcançarmos coragem para jamais desistir.
Organizador: Mateus e Silva Ferreira.
Histórias: Inesperadas, Diferentes e Especiais – Alunas e Alunos do PROEJA
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